Sabe uma camisinha usada e jogada na Rua Augusta ou aquela roda de liga leve aro 17 pro carro do sobrinho da tia-avó? Eles são mais relevantes que você. Aquele cisco que importuna minha visão é bem mais relevante que você, e eu expulso ele da minha vida com dedo, água e sopro. Vê como eu trato as coisas que me machucam?
Eu nem me lembro da primeira vez que te vi. Lembro muito mais do vizinho que eu tive aos 9 anos de idade e que me apaixonei por ele. Prefiro deixar espaço para lembranças boas, lembro muito mais dos diversos caras, por quem eu nem me apaixonei. Você estava sentado naquela mesa e não parava de me olhar, parecia que eu não era desse planeta, sabe do que eu te chamei? Psicopata, gostou dessa? Você me incomodou muito. Foi só mais uma noite comum, uma sexta-feira. Era verão.
Não faço ideia da sua aparência, mas posso detalhar com perfeição o modo como o cabelo do vizinho, irrelevante como você, se move ao descer as escadas. Bem diferente do seu, textura seca, no qual eu adorava enroscar os dedos, enquanto ofegante te beijava. E seu cabelo tinha um cheiro de...eu poderia detalhar muitas coisas, mas não estou a fim.
Eu esqueci como você anda. Eu sobrevivi a essa bomba, apaguei mesmo. Posso provar. Era você, outro dia no teatro? Alguém roubou o seu andar. Quase cai no seu truque, quase te vi e nem cogitei em te ligar. Você não acredita? Seu numero não habita mais na minha agenda telefônica, nem sei se termina com dois ou três. O fato de ter certeza que começa com 9 não tem um pentelho de significado.
Eu nem decorei a primeira frase que você me enfiou. E decoro muita frase sem importância por ai, como quem com ferro fere com ferro será ferido, o que os olhos não veem o coração não sente, que sou mesmo exagerado e adoro um amor inventado. E que as mina pira. Na verdade frases muito mais relevantes do que aquela sua besteira sobre me conhecer. “Posso te conhecer?” você largou essa em cima de mim como se fosse demais, a coisa mais excitante que eu poderia esperar daquela noite. Uma noite praticamente apagada. E seus olhos me proibindo de fugir daquele momento, que hoje é só lacuna. Você faz assim sempre? Com qualquer mulher irrelevante você faz isso? Continue.
Eu não sei quando você foi embora, porque eu tinha coisas mais relevantes pra fazer. O copo cheio de água soluçou na minha mão e espatifou no chão. Eu agrupei os cacos numa caixa. Uma caixa em formato de coração. Um deles cortou os meus dedos, que perderam a sensibilidade e têm como último suspiro a lembrança de se enroscar nos seus cabelos secos. Mais uma lembrança irrelevante, já passou. Nem lembro como era.
Não sei por que comecei escrever sobre essas memórias idiotas. Nem doeu. Nem sangrou. Nem chovi. Quando retomo a lista de coisas relevantes, encontro seu nome riscado. Não te falei? Irrelevante.
Você não permitiu que eu te desse um lugar
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