domingo, 12 de maio de 2013

Na prateleira




É tarde, acho que já passei por todas as lojas que vendem o artigo procurado. Entro.
__ Moça, faz um favorzinho? Ali, alcança aquele amor que tem cara de durável, espessura de inquebrável e um quê de honestidade, por favor? Ah, esse custa mais? Sim, entendo. Claro que deve ser dificílimo de se achar e, né, no mercado tá em falta - eu acredito. E aquele ali, pequenininho mas que se diz aumentar com o tempo? Ah, é auto-enganoso. Faz todo sentido: o vemos com a nossa idealização de meninas órfãs dos filmes Disney, imaginando que seja esse bichinho minúsculo (depois do beijo) o príncipe de ossos largos que cavalga num quadrúpede de crina branca e coisa e tal. E que nada, no final acaba-se que é só mais um sentimento murcho entre tantos mal resolvidos dentro do peito ao longos dos anos.

Certo, vamos para aquele ali, mais à esquerda, refinado, cheio dos bons gostos e costumes desenhados na embalagem e descritos no rótulo, pelo que vejo daqui vem pouquinho desse, né? Por que? Ah, porque enche o saco..? Eu imagino. É daquelas perfeições que incomodam, tanto que a gente embesta com os nossos defeitos aumentados, né? Ih, descarta. E aquele vasilhame bonitão lá de cima? Pô, gostei. Corado. Robusto. Bem disposto. Energético. Mas poxa, vazio? Ela diz:
_ É, por dentro, vazio. Se dá pouco porque muito se recebe. Composto de "Narcisos me-amo" , a indigestão é grotesca ao longo do tempo. Insisto:
_ Me ajuda, moça. Tem tanta opção e tão pouca que eu colocaria numa mesinha de café pra admirar enquanto esquento por dentro. No fim das contas parece igual, mas acaba tudo completamente diferente. Deve ser tipo a varinha do Harry Potter: eu vou deixar é que algum me escolha.
Que bela grafia a desse. Mas cheia de embaraços e rabiscos que eu não consigo ver por dentro.
 _ Ah, muito devolução. Incompreendido, coitado. Se poucas conseguem ler e entender de verdade o que ele carrega em si, por que levam? Iludem o pobrezinho... Ele é que as ilude? Ih, captei. Captei: usa da pompa racional pra atrair e se fazer de charmoso intelectual quando na verdade tem um puta medo por dentro de se entregar. Coisa mais complicada, credo. Passo. 
E Esse em formato de pastilha, é tudo pra um dia só? Nossa, quantos, hein. E há procura? Verdade, nada melhor que os amores-paixão de uma noite só pra reavivar a auto-estima dos corações quebrados, verdade. Um desses tamanho G até teria espaço lá em casa, problema é aqui dentro: de que jeito inserir? Bate mó medo de não conseguir acomodar direitinho e fazer sofrer algo tão grandioso - e dispendioso, e caro, e que vai me tomar tempo e um baita pedaço de mim mesma junto. Inofensivos aparentemente, mas perigosos esses também, viu?
Amor-amigo, amor-carente, amor-de-verão, amor-rascunho, amor-distante, amor-pra-depois... Nenhum me serve, não acho algunzinho que seja que preencha os requisitos de durabilidade, compreensão, respeito, reciprocidade e safadeza. Nadinha, moça. Ah, o balaio das promoções em nada me atrai. Que vou querer eu com sentimento barato? Não dá, sabe, eu quero dessa parcela da vida o melhor - mesmo que apenas aos meus olhos, entende? Além de insatisfeita crônica, sou uma encrenca das exigentes. Esse aqui, curioso esse aqui. Cheira bem como nenhum dos anteriores. Não tem a beleza óbvia, mas é de um charme que também não vi nos outros, não. Custa caro? Ah, sabia, sempre tendo a optar pelo mais caro. Diz que marca a vida da gente e que consegue arrancar risadas até mesmo nos dias cinzas. Tá escrito aqui que não é perfeito, não está maduro - talvez por isso, ainda um pouco amarelado - e que gosta de programas ao ar livre, além de ser cheio de defeitos: muda de ideia com frequência, talvez precise amaciar o ego, ronca enquanto dorme no inverno. Talvez não seja o ideal, mas moça, que vou fazer eu se ele brilha? Feito pó de pirlimpimpim na minha frente como nenhum outro até então. Ouço daqui o palpitar de um coração a cavalos, a galope, apressado: é esse, é esse, é esse. Ao menos até que se consuma por inteiro. Vou levar - sei lá eu até onde ele também me leva. Se for até algum aprendizado, o futuro é de lucro.

Um comentário:

  1. Lindo Má! Artigo difícil de encontrar...esse pote ainda há que brilhar!

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